De fora para dentro – o preconceito dentro da comunidade LGBTQIA+
- Carolina Martins
- 9 de mai. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de jun. de 2021

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Xavier Simão afirma que pessoas trans “não estão seguras, é apenas uma ilusão”, dentro dos círculos LGBTQI+ e considera “perigoso” que se construa essa narrativa, especialmente para os mais jovens.
A sigla LGBTQIA+, o formato mais recente e inclusivo, sofreu várias alterações ao longo da história. Começando por ser GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), e GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Trans). A retirada do termo simpatizantes, ou seja, pessoas heterossexuais que apoiavam a causa, justificou-se por não serem estes os protagonistas do movimento. A troca de ordem do G pelo L, foi motivada pela luta pela equidade de género entre homens e mulheres, pretendendo configurar um maior destaque à luta lésbica.
Estas mudanças simbolizam as próprias mudanças internas na comunidade, a priorização e a tentativa de maior inclusão das várias orientações sexuais e identidades de género. Não só como atribuição de rótulos, mas como reconhecimento da diversidade.
Desconstruir as siglas
A letra L significa lésbicas e o G, gays, ou seja, mulheres e homem que sentem uma atração afetivo-sexual por pessoas do mesmo género que o seu; o B representa pessoas bissexuais que sentem atração afetivo-sexual por tanto homens como mulheres. As primeiras três letras são relativas, portanto, à orientação sexual.
De seguida, temos a letra T que representa as pessoas trans, pessoas que se identificam com um género diferente daquele que lhes foi atribuído à nascença. A letra Q simboliza as pessoas queer, utilizado como termo guarda-chuva, para referência a pessoas cuja identidade de género transita entre o masculino e o feminino e também as pessoas que se identificam fora do espetro binário – pessoas não-binárias.
A letra I representa as pessoas Intersexo – identidade de género de pessoas cujo desenvolvimento sexual corporal (seja a nível hormonal, genital, cromossomático ou outras caraterísticas biológicas) é não-binário: ou seja, fora do espetro masculino-feminino. Por fim, temos o A que se refere novamente a orientação sexual, especificamente pessoas assexuais ou aromânticas, que não sentem atração afetiva-sexual, independentemente do género da pessoa. O + no fim representa outras identidades de género ou orientações sexuais que possam vir a ser adicionadas à sigla, no futuro.
Unidos até que a luta nos separe
“Cada vez mais se sente esta coisa de quem vai à frente nos direitos, quando chega lá, quer é ser normal, não quer continuar a luta. Porque já chegou lá. Então agora que a sociedade já aceita homens homossexuais cisgénero, já gosta deles porque já se encaixam e é sempre mesmo, um processo de assimilação.” É assim que Tiago Lêdo descreve o privilégio que sente que os homens homossexuais, que se identificam com o género que lhes foi atribuído à nascença (cisgénero), têm dentro da própria comunidade.
No entanto, o jovem músico salienta que esta assimilação pode trazer consequências negativas para os próprios privilegiados, “nos últimos anos, a aceitação veio com a infantilização e a dessexualização das comunidades LGBT”.
Como homem trans, Tiago afirma que também há o problema da fetichização e da visão hiper-sexualizada que a comunidade tem sobre pessoas trans.
Pedro Martins concorda com esta visão e vai ainda mais longe, dizendo que “Especialmente a comunidade LG – das duas, umas – ou nos fetichizam ou não nos vêem.” Enfatiza ainda a questão do fetiche afirmando que muitos homens cis procuram mulheres trans, não porque são mulheres, mas pela sua genitália: “Do género, é uma mulher então não faz de mim homossexual, mas no fundo só entendem as mulheres trans como uma experiência”.
Para Bernardo Lopes, a questão genital é um tópico extremamente controverso, dentro da comunidade, contando situações em que homens homossexuais se mostraram ‘enojados’ com a possibilidade de se envolverem com um homem trans: “Esse pensamento em si já é transfóbico, já é pejorativo, os meus genitais não têm nada a ver com a tua atração de género, não têm nada a ver. Se uma pessoa tem uma determinada orientação sexual, então vai-se sentir atraída por x género, isso não tem nada a ver. Porque transgénero em si, não é um género, o meu género é masculino, eu sou um homem.”
Acrescenta ainda a questão da discriminação dentro da própria comunidade trans, face a pessoas não-binárias, utilizando os argumentos de que não é algo “validado pela ciência” ou afirmando que a pessoa tem de ter uma “aparência andrógena”, para ser validada enquanto pessoa não-binária.
A experiência de Xavier Simão foi particularmente negativa: “a única vez que eu senti que alguém genuinamente estava ali para só para me ofender e para me magoar foi um homem gay”. Na sua opinião, a diferença da comunidade LGBTQIA+ para a sociedade, passa pela experiência de opressão que todos os membros experienciam, criando “uma maior sensibilidade”.
Em última instância, para o jovem de 24 anos, a discriminação que as pessoas trans sofrem dentro da própria comunidade, leva ao seu afastamento e a criação de uma comunidade própria: “Porque não nos identificamos e não nos sentimos bem-vindos.”
Nas palavras de Pedro, o preconceito contra pessoas trans e a discriminação sofrida internamente é pior do aquela que enfrentam diariamente por parte das restantes parcelas da sociedade.
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