Vinicius é drag queen. “Mackaylla questiona as fronteiras de género através do corpo.”
- Sofia Andrade
- 14 de jun. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de jun. de 2021
Vinicius é drag queen há cerca de 10 anos, na cidade de São Paulo, no Brasil. Parte do seu percurso tem sido acompanhado pela fotógrafa paulista Larissa Zaidan, que dedicou vários anos ao projecto Eu, Mackaylla, que partilha agora com o Sui Generis.
Projecto fotográfico: Eu, Mackaylla de Larissa Zaidan
Vinicius Santana ainda era estudante de Artes Cénicas da Universidade de Brasília quando aceitou “fazer animação para uma loja de lingerie”, recorda, em entrevista telefónica ao Sui Generis. A proposta era arrojada. “Eu sabia que ‘performar’ drag era algo muito elaborado, muito corajoso. Tinha amigas que o faziam e eu admirava-as muito.” Vini, como é normalmente tratado, não teve medo. Conta que, da primeira vez que encarnou Mackaylla Maria, caiu dos saltos, não sabia como andar, como falar. “Foi muito engraçado”, conta, animado.
Larissa Zaidan
Vinicius, que se afirma abertamente queer, nunca tinha imaginado antes que, um dia, viria a ser artista drag. “Foi uma surpresa. Mas eu sempre aceitei todos os desafios, sempre arrisquei muito. Afinal, um artista tem de estar necessariamente exposto ao risco.” A sua experiência em oficinas e companhias de teatro, em Brasília – entre as quais a histórica companhia de teatro de rua Esquadrão da Vida – dar-lhe-ia a bagagem necessária para construir, passo a passo, a personagem. “Acabei por me apaixonar pela Mackaylla Maria e dar seguimento por conta própria.”
Mas Mackaylla não é um trabalho, alerta. “É uma expressão artística”, reforça. Depois da primeira vez que encarnou Mackaylla, ela invadiria outros âmbitos da vida de Vini. Aprendeu “com a prática” a maquilhar-se, a vestir-se, a ser Mackaylla. “Mas ela não é uma personagem distante de mim, como se tivesse escrita num livro”, refere. “Eu assumo na performance aspectos de mim. Apesar de a Mackaylla ser diferente do Vinicius, nela estão patentes os meus gostos, preferências, vontades, desejos, negações, escolhas. É no fundo uma transformação do eu a partir das vivências.” É também, anota, uma forma de questionar as fronteiras de género através do corpo de uma forma efémera. “O meu corpo desfaz-se, por momentos, de virilidade, do corpo do homem cis.”
A Mackaylla surge em vários momentos, não apenas quando existe uma chamada, uma convocatória. “No outro dia pediram-me para apresentar um Festival da Parada LGBTQI+ de São Paulo, uma das maiores do mundo. E nesse momento, a Mackaylla apareceu. Mas, por vezes, quando estou em casa, coloco uma música e começo a dançar e ela também está presente. Quando organizo as maquilhagens, quando planeio figurinos, ela está lá. Mas é quando ela se materializa que eu a sinto em força.” A própria mutação é um ritual. “Ela vem de leve à medida que eu a ‘monto’.” A Mackaylla é histriónica, é expansiva, dá show.
Larissa Zaidan
Vini vive em São Paulo desde os 24 anos, desde 2014. E foi praticamente desde essa altura que Larissa Zaidan começou a documentar a sua vida. Ao Sui Generis, a partir do Zoom, a fotógrafa de 30 anos contou que estava no centro de São Paulo, perto de uma festa, quando viu Mackaylla passar na rua. “Ela fala com as pessoas na rua, interage muito, é espalhafatosa, fala alto”, descreve. “No início senti vergonha de abordá-la, mas ganhei coragem e comecei a conversar com ela”, disse. Diante da proposta de um projecto fotográfico de Larissa, Mackaylla foi imediatamente receptiva. “Eu estava a dar os primeiros passos na fotografia, mas sentia muito interesse por este tema.” O irmão de Larissa Zaidan pertence à comunidade LGBTQI+ e é militante político e esse foi um dos motivos por que se interessou pelo tema.
“É difícil ser artista drag no Brasil”, afirma Vinicius. “E o olhar de Larissa é sensível, revela a potência dos corpos discriminados em imagem sem glamourizar. Faz um retrato cru.” Essa simplicidade, essa humanização, “é útil no combate à homo e à transfobia”, explica o artista. “E isso interessa-nos.” Vini já foi vítima de discriminação enquanto Mackaylla. “Já fiz um show num casamento de uma filha de um general do Exército brasileiro”, introduz. “A noiva tinha 17 anos e estava grávida. A mãe dela não queria contar ao pai que ela estava grávida e por isso convidou uma drag para dar alegria à festa.” Mackaylla actuava quando foi interrompida pelo general, que lhe retirou o microfone da mão; pediu ao técnico de som para desligar o sistema. “Pensei ‘eu não vou deixar que ele destrua o meu trabalho’. E eu fui de mesa em mesa, conversar com as pessoas, assumindo um papel de anfitriã. E foi muito bonito porque as mulheres e as crianças, dez minutos depois, estavam na pista de dança comigo, dançando e brincando.”
O preconceito nunca derrubou Vini. “Ele existe e nós temos de acabar com ele.” Acredita que silenciá-lo, pelo menos, pode ajudar a erradicá-lo. “Quando alguém verbaliza o ódio, está a agredir. Quando alguém é impedido de agredir, isso é positivo.” Acredita que o momento de verdadeira reeducação social, o momento em que a tolerância ganhará terreno, está longe de ser alcançado. “Ao mesmo tempo que o mundo desaba [com a pandemia], outro mundo se levanta”, conclui Vinicius. “E nós somos responsáveis pela construção desse mundo.”
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